domingo, 2 de maio de 2010

A AÇÃO DA MAÇONARIA NA INDEPENDÊNCIA

Em 1710 o sentimento de independência teve no Brasil a mais nítida e viril afirmarão, no gesto subversivo de Vieira de Mello, com o qual o patriota pernambucano desagradava a nobreza de Olinda das insolências dos bufarinheiros do Recife. Déz annos depois o mesmo sentimento sublevava as populações de Villa Rica e Ribeirão do Carmo, em Minas, onde, nesse tempo "das faldas das montanhas perfuradas como um favo de abelhas pelos mineiros paulistas", o ouro desvairava. Assumar faz calar a boca de Felippe dos Santos, que mais alto bramia o protesto, e paralysar o braço que executára a revolta, mandando arrastal-o por cavallos fogosos, para que toda a colonia soubesse como a trêda justiça d’el-rei recebia o protesto dos brasileiros. Depois, em 1789, a mesma idéa resurgia na inconfidencia mineira, que, sem embargo de não ter sido siquer uma conspiração, serviu entretanto, pela dureza do castigo, para affirmar no espirito das classes cultas o horror pela tyrannia lusitana, definindo e alarando a marcha da independencia.
Esses factos, coincidiram com o exaurimento das minas de ouro, de "cula exploração e metropole madrasta, a que nada saciava, nem os impostos nem os monopolios" (Oliveira Martins - Brasil e Colonias), extorquia o quinto da produção.
A exploração das minas, realmente, se extenuára, antes pelas exigencias do fisco, que chegára a accumular de reditos atrazados 700 arrobas de ouro, do que pela extincção do minerio. As extorções fizeram a população, ao sul, abandonar as aventuras exploradoras dos veios auriferos e o rumo da penetração dos sertões, dando-lhe os habitos sedentarios que a cultura da terra exige. Foi um bem.
Depois da inconfidencia, compromettida pela loquacidade de Tiradentes, o espirito de independencia tomou um impulso vigoroso em todas as capitanias, no seio das classes cultas do Rio de Janeiro, S. Paulo, Minas Geraes, Bahia e Pernambuco, principalmente ao norte, onde as idéas democraticas, revolucionadoras da Europa, primeiro chegavam e facilmente se amoldavam ás aspirações dos homens representativos da colonia, açoitada pela tyrania da metropole.
A propaganda dessas idéas revolucinarias era objecto de séria vigilancia por parte das autoridades portuguezas, no afinco de impedil-a, donde se originou a necessidade das sociedades secretas.
As idéas leberaes, lentamente, se foram infiltrando na colonia, alastrando-se sorrateiramente por todas as camadas sociaes, por meio dessas associações, que tomavam varios disfarces, notadamente literarios e scientificos, como o Areopago de Itambé e a Academia de Suassuna, em Pernambuco, mas em verdade, «sociedades politicas, secretas, frequentadas por pessoas salientes e donde saiam, como de um centro para a peripheria sem resaltos, nem arruidos, as doutrinas ensinadas, tornando conhecido o Estado geral da Europa, os estremecimentos e destroços dos governos absolutistas, sobre o influxo das idéas democraticas.» (M. Machado — Introdução á Historia da Revolução de 1817).
É fóra de duvida que essas sociedades, que floresceram em Pernambuco e outras capitanias, e, occultamente, trabalhavam pela independencia, desde os fins do seculo XVII, que mantinham entre si mais ou menos regular permuta de idéas e se correspondiam por meio de emissarios, com o estrangeiro, eram lojas maçonicas fundadas por brasileiros iniciados na Europa, com o fim manifesto, que documentos historicos comprovam, de derramarem na colonia as idéas que convulsionavam o Velho Mundo e secretamente prepararem o terreno da independencia do Brasil. Pacientes pesquizas do Sr. Mario Mello convencem-nos de que essas sociedades eram, na verdade, officinas maçonicas, sinão regularmente constituidas, ao menos em phase de organisação definitiva e foram a cellula mater da Maçonaria Brasileira. Dellas surgiram as primeiras lojas — Virtude e Razão, na Bahia, em 1802, Reunião, Constancia e Philantropia, no Rio, em 1803 Pernambuco do Oriente e Pernambuco do Ocidente, no Recife, ás quaes se referia o capitão-general Caetano Montenegro, em officio ao Conde dos Arcos, alarmando-se por não saber nem nunca lhe haver sido dejunciada a existencia dessas duas casas de pedreiros livres, donde, em 1817, saiu a gloriosa revolução republicana de Pernambuco (Mario Mello — A Maçonaria no Brasil).
As officinas espalharam-se rapidamente pelas capitanias fazendo proselytos entre os brasileiros mais eminentes — sacerdotes illustres, notaveis scientistas, militares e capitalistas, toda a aristocracia da intelligencia, da bravura, da riqueza formava nos templos maçonicos, conspirando nas columnas a grande jornada da independencia.

Os successos desenrolados em Portugal, invadido e subjugado pelo exercito de Junot, dos quaes resultou o lance politico da retirada da côrte portugueza para o Brasil, traçaram um novo rumo ao surto das idéas predominantes, quanto á autonomia do Brasil, de ha muito, o alvo de todas as preoccupações patrioticas. A presença de D. João "com seus duzentos milhões de cruzados, com com mais de quinze mil servos tauxiados de fitas e cruzes, conselheiros, desembargadores, marquezes, condes, commendadores, monsenhores, conegos e D. Maria I doida", serviu entretanto para fortalecer a idéa da emancipação colonial. (Oliveira Martins — Brasil e Colonias).
Á chegada, pois, do regente havia na colonia ultramarina uma intensa effervescencia revolucionaria pela independencia, ao norte dirigida por Pernambuco, de pronunciada tendencia republicana, de que fôra precursor Bernardo Vieira de Mello, ao sul orientada por Minas e S. Paulo, si não com o mesmo acento republicano, contudo uma alta aspiração pela libertação do Brasil do dominio da metropole.
Eram as Lojas Maçonicas o foco desse movimento lebertador, poruqe nellas se reuniam os homens que, nesse tempo, constituiam a lidima representação do sentimento brasileiro e da intellectualidade colonial, notadamente o clero, pois que "os sacerdotes, formavam a classe mais instruida do paiz e por este proprio facto aninhava-se entre elles o mais vehemente amor á liberdade." (Oliveira Lima — Pernambuco e o seu desenvolvimento historico).
Em 1807, á chegada da familia real, estava fundada a Maçonaria no Brasil, funccionando regularmente suas Lojas, ao sul e ao norte, com relativa preponderancia na vida publica por intermedio de seus membros, agindo secretamente para o vingamento das idéas, liberaes, operando através dos mysterios dos templos o estabelecimento da independencia. A presença do Regente estacou por algum tempo o movimento autonomista, pela transformação subita que se operou no Brasil, elevado, de improviso, á séde da monarchia portugueza, dando a perceber claramente aos patriotas mais esclarecidos que esse grande acontecimento politico, virtualmente, estabelecia a independencia da colonia. E essa parada da marcha da idéa de autonomia dever-se á orientação governamental do principe de Bragança.
D. João, si para os portuguezes póde parecer historicamente uma figura mesquinha, sem um só relevo que a engrandeça e nobilite, para nós, brasileiros, é um grande benemerito e um dos principaes factores de nossa emancipação.
As injuncções politicas que o fizeram emigrar, fugindo á invasão napoleonica, para poder conservar a sua dynastia, e vindo estabelecer no Brasil o governo portuguez, produziram na colonia ultramarina uma transformação administrativa, politica, social e moral completa e de ffeitos os mais salutares. A abertura dos portos brasileiros á navegação mundial, a libertação das industrias, a creação de tribunaes de ultima instancia, a fundação da imprensa official, o estabelecimento de um banco, a installação de academias scientificas, a franquia dos nossos sertões aos estrangeiros, foram actos de largo descortino administrativo e attrairam uma pleiade de artistas, de homens de sciencia, commerciantes, de trabalhadores entusiastas do nosso progresso, das faculdades productoras do paiz, dando-lhe virtualmente a independencia. O Brasil, sob D. João, era a metropole. Invertiam-se os papeis e dessa inversão o arrefecimento das aspirações de autonomia.
Em breve o Rio de Janeiro tornou-se um interposto consideravel do commercio da America, enquanto a monarchia portugueza, de sua nova séde, fazia a occupação de Cayena e intervinha no Prata, hostilisando a França e a Hespanha.
A elevação do Brasil á categoria de reino foi o maior acto de D. João, porque essa elevação assegurava no espirito dos brasileiros a independencia do paiz.
Esse gesto de alta politica, além de ser uma affirmação solemne da independencia territorial, foi a derivação logica e a consequencia necessaria de um estado de coisas creado por circumstancias fortuitas, mas não menos imperiosas. Em primeiro logar era impossivel esquecer que um momento houve, já passado felizmente, porém bem assignalado, em que o Brasil fôra a taboa de salvação da dynastia portugueza, a ancora da monarchia batida pelas tempestades, que permitiu ao baixel desmantelado dar fundo e ver raiar no horizonte uma luz tão esperançosa que até lhe descobrira uma perspectiva gloriosa. (Oliveira Lima — D. João VI no Brasil.)
A Maçonaria, centro de irradiação das idéas liberaes, não era nem podia ser indiferente a esse desenvolvimento e a essa preparação da independencia definitiva. Agira mais de uma vez, intervindo nos negocios publicos, e agira, ás vezes, com certo açodamento patriotico, tornando-se, por isso, suspeita ao governo até ser perseguida como associação revolucionaria.

Em 1817, por occasião da revolução republicana de Pernambuco, "urdida nas Lojas Maçonicas, entraram as sociedades secretas, até então de certo modo toleradas, a ser vigiadas de perto, perseguidas e dissolvidas, creando-se no Rio, para punição dos culpados, um juizo da Inconfidencia" (Oliveira Lima — D. João VI no Brasil). Em Nictheroy foi dispersada por sediciosa a Loja de que fazia parte Antonio Carlos. "A especie de terror, diz Oliveira Lima (obra cit.), produzida por esse assomo de violencia da parte do paternal governo que estava sendo o brasileiro, levou muitos maçons a denunciarem-se a si mesmos, entre elles o conde de Paraty, camarista e grande valido do rei, que delle nunca se separava." Outro maçon confesso foi o marquez de Anjeja, "que resgatou a sua falta entregando toda a prata da sua casa para servir as necessidades do Estado", pena em todo caso, menos dura do que a que havia merecido o conde que levou todo um dia de gala no Paço vestido com o habito de irmão da Ordem Terceira.
Na Bahia a acção da Maçonaria dava o que pensar ao governo e o arguto Thomaz Antonio, respondendo a uma consulta de el-rei, dava o seu parecer para que se puzesse no governo da provindica um soldado que "desmanchasse a combinação dos maçons" (Varnhagen — Historia da Independencia).
Por esse tempo a Maçonaria portugueza entrava en lucta contra o absolutismo, promovendo uma conspiração para acclamar D. João rei constitucional. Beresford suffoca em sangue a conspiração maçonica, levando ao patibulo o Grão Mestre da Maçonaria, o illustre general Gomes Freire de Andrade. Mas como a tyrannia nada póde contra o espirito de liberdade, a revolução constitucional foi por fim triumphante em Portugal, instalando-se as Côrtes Constituintes, que logo exigiram o regresso de D. João. O bom rei, grande amigo do Brasil, a que se affeiçoára de alma e nelle contava findar os seus dias resistiu quanto pôde ás insinuações, aos pedidos, ás reclamações, ás proprias imposições, "feliz na sua quinta de S. Christovão, nos arrabaldes do Rio de Janeiro, e que se acha mui querido de todo o povo desta sua nova capital, onde, desde que desembarcára, vira a sua autoridade real mais acatada do que nunca antes tinha sido." (Varnhagen — Historia da Independencia).
Victima mais uma vez das injuncções politicas em completo antagonismo com o seu genio commodista, das intrigas da côrte fomentadas por sua desregrada mulher Carlota Joaquina, o monarcha, em Abril de 1821, deixava para sempre o Brasil, ponde á frente do governo seu filho, o principe D. Pedro, com o titulo de Regente. Ia-se o soberano, mas, com a saudade da terra que tanto amava e tão bem servira, levava a certeza de que formára na America uma grande Nação. Ao seu atilado espirito não passara despercebida a situação qme se creára no Brasil, incompativel com qualquer estado que não fosse o de igualdade administrativa e politica com Portugal. E ao filho Regente deixara o conselho cauteloso e pratico: "Pedro, antes que um aventureiro se apodere da corôa do Brasil, põe-na tu á cabeça." D. Pedro tinha 23 annos e era a antitese do pae.
A mãe desleixára-se da educação do principe, mas a sua pessima educação domestica, a pobreza de sua cultura intellectual, os arrebatamentos de seu caracter e sua mocidade desenfreiada até a libertinagem, não lhe suffocavam os bons pendores herdados do pae. Era brasileiro o seu coração. José Bonifacio mais tarde seu primeiro ministro, manejou habilmente a inexperiencia e a vaidade desse principe, em proveito do Brasil, ajudado pela meiga e intelligentissima princessa Leopoldina, ao tempo em que ella imperava no coração do marido e a formosa Domitilha não o dominava, dominando o Brasil.
A Maçonaria, por sua vez, acercava-se do principe, seduzindo-o, attraindo-o ao seu gremio. Nas Lojas do Rio de Janeiro, trabalhava-se febrilmente pela Independencia, desde que se tornaram conhecidas as intenções hostis das Côrtes Portuguezas. Dirigiam o movimento Joaquim Gonçalves Ledo, o conego Januario da Cunha Barbosa, o general Luiz da Nobrega, José Joaquim da Rocha, José Clemente Pereira, Muniz Barretto.
O Reverbero, jornal liberal, de redação de Ledo e Barbosa, convidava o principe em appellos vehementes como este: "Não desprezes a gloria de ser o fundador de um novo Imperio. Principe, as nações todas têm um momento, que não torna quando escapa, para estabelecerem os seus governos. O Rabincon passou-se: atraz fica o inferno; adiante está o templo da immortalidade. Redire sit nefas". Esses appellos eram saidos dos conciliabulos maçonicos.
D. Pedro — registra-o a sua correspondencia politica — vacilava entre o dever politico confiado á sua lealdade e a tendencia liberal de seu espirito.As côrtes portuguezas procuravam restringir as franquias outorgadas ao Brasil, e ás quaes o paiz se acostumára. Pouco a pouco, leis odiosas, decretos humilhantes, pretendiam cassar as largas prerrogativas da administração, sem que podessem prevalecer os protestos candentes de Antonio Carlos, as
reclamações viris de Feijó, os argumentos de Muniz Tavares, as ponderações sensatas e os prudentes conselhos dos demais deputados brasileiros, abafados por uma maioria hostil e tumultuosa. As Côrtes preparavam ostensivamente a volta do regimen colonial, com as suas extorsões e a sua tyrannia. Era a vingança da metropole, esquecida de que o Brasil fôra, na hora amargurada da invasão francesa, a salvação do monarchia lusitana.
O decreto de 29 de setembro de 1821, ordenando o regresso immediato do principe, supprimindo os tribunaes superiores e tomando outras medidas igualmente irritantes, foi recebido no Brasil como um supremo ultraje, um grave attentado aos direitos que o paiz conquistára pela sua prosperidade pelo prestigio intellectual de seus filhos e pela sua situação de reino unido ao de Portugal.
Explodiram nas ruas do Rio de Janeiro os motins, as arruaças, explodiram tanto mais graves quanto as tropas portuguezas se dispunham a forçar D. Pedro a obedecer ás Côrtes.
A Maçonaria entrou em acção, enviando emissarios a S. Paulo, a Minas, e outros logares, para uma acção conjunta, segundo a qual se deporiam os fovernadores de diversas provincias, devendo o signal ser dado por José Bonifacio "cujo nome era apontado no Brasil e no estrangeiro como o de um grande sabio." (Assis Cintra — O Homem da Independencia).
A 29 de Dezembro o Rio de Janeiro dirigia ao principe, por intermedio de José Clemente Pereira, uma representação magistralmente redigida por Gonçalves Ledo, lida e approvada em sessão do Grande Oriente (1). O principe cedeu. Ficava no Brasil. Era já essa sua resolução publicamente declarada, quando José Bonifacio fez entrega, a 26 de Janeiro, da representação paulista.
A intervenção da Maçonaria nesse episodio preliminar da independencia é um facto incontestavel.
Reconstituido o ministerio, entrando para elle José Bonifacio, passou o governo a resistir com firmeza ás determinações de Lisbôa.
Por proposta de Ledo e Januario Barbosa, no Grande Oriente, foi creado o Conselho de Estado, contra a opinião de José Bonifacio, enciumado da influencia que o seu antagonista liberal ardente, Gonçalves Ledo, ia exercendo no espirito do principe. Data dahi a divergencia entre esses dosi grandes homens da Independencia.
Gonçalves Ledo é a maior figura dessa memoravel jornada nacional. Varnhagen tem-no como superior a Bonifacio, pelos serviços que prestou na phase mais aguda da campanha, preparando o advento da emancipação, enquanto o sabio paulista apenas se eccommodava ás circumstancias do momento politico.
Ledo era um espirito combativo, apaixonado pela independencia, que a queria a todo o transe, com o principe ou sem elle; José Bonifacio, de temperamento aristocratico, excessivamente orgulhoso, machiavelico e violento, tinha a ambição do poder e pretendia ser o unico a influir sobre o principe.
Ledo tinha consigo a maioria do Grande Oriente e o favor da popularidade, mas, modestamente, dera o Grão Mestrado a José Bonifacio, reservando para si o cargo de 1.º vigilante.
A Maçonaria conseguira o Fico, conseguira o Conselho de Estado. Animados por esses sucessos, Ledo e Januario propuzeram, em sessão do Grande Oriente, que se pedisse ao principe a convocação de uma Assembléa Constituinte, ao que D. Pedro Accedeu porque, como disse em carta a seu pae, "as leis feitas de tão longe, e por gente que não conhecia o Brasil, não poderiam aproveitar-lhe." (Assis Cintra — D. Pedro I e o Grito da independencia).
"Por esse tempo, propoz Domingos Alves Branco Muniz Barreto, em uma sessão da Maçonaria, que, para ter o regente um titulo conferido pelo povo, se lhe pedisse acceitar o de Protector e Defensor Perpétuo do Brasil. Foi adoptada a idéa. Redigiram Januario e Ledo o discurso que devia pronunciar José Clemente Pereira e se resolveu aproveitar, para realisal-a, o dia 13 de Maio, na occasião em que se festejava o anniversario d’el-rei. (Varnhagen — Historia da Independencia).
Esse pedido que Cayrú classifica de imprudente, e effectivamente era uma franca provocação ás Côrtes, D. Pedro deferiu, acceitando o titulo de Defensor Perpétuo, jurando mostrar-se digno delle "enquanto uma gotta de sangue correr nas minhas veias", mas recusando o de Protector, porque o Brasil não precisa a protecção de ninguem: protege-se a si mesmo (Assis Cintra — D. Pedro I e o Grito da Independencia). Vencia a Maçonaria mais uma etapa no caminho da autonomia politica do Brasil.
"Foi nestes momentos de apuro em que o principe, informado dos serviços que á sua causa e do Brasil havia prestado e estava prestando a Maçonaria, trabalhando activamente com o seu Grão Mestre e o 1.º vigilante,
movido porventura de curiosidade tão natural na sua idade e não menos de argumentos de seus catechisadores, que lhe citaram casos de outros reis de Europa, que por, fins politicos, haviam igualmente professado, se deixou converter e quiz ver a luz maçonica. Proposto pelo Grão Mestre (2), seu ministro, para ser iniciado nos Mysterios da Ordem, acceita a proposta, foi iniciado no 1.º gráo da fórma da liturgia e prestou o juramento, adoptando o nome heroico de Guatimozim" (Varnhagen — Historia da Independencia) no dia 13 de julho de 1822 (3), na Loja Commercio e Artes, Ledo propoz que D. Pedro, fosse proclamado Grão Mestre, de cujo cargo tomou posse na mesma noite de 14 de Setembro em que chegou de S. Paulo, presidindo a essa sessão do Grande Oriente, na ausencia de José Bonifacio e do general Oliveira Alves, e o 1.º vigilante Ledo." (Rio Branco — Notas á Historia da Independencia).
A repressão opposta pelas forças portuguezas na Bahia; os dois manifestos do principe, um aos brasileiros, trabalho de Gonçalves Ledo, outro ás nações amigas, elaborado por José Bonifacio, o decreto considerando inimigas as forças portuguezas, "em todas estas decisões tinha grande parte a Maçonaria", assegura o veridico Varnhagen.
O terreno da Independencia estava assim preparado pela Maçonaria: um esforço mais e a liberdade politica do Brasil dar-se-ia.
As discordias suscitadas em Minas e S. Paulo levaram o principe a essas provincias. Foi durante a sua jornada a S. Paulo, já ás portas da cidade, que D. Pedro resolveu a independencia definitiva. As noticias de Lisbôa eram ultrajantes á dignidade dos brasileiros. Transigir ainda, ou protelar o rompimento, que o Brasil faria com D. Pedro ou sem elle, não era possivel. D. Pedro teve nitida no pensamento a situação para a qual concorrera arrastado pela tendencia cavalheiresca de seu caracter. Fez a independencia ás portas da cidade de S. Paulo, embora, talvez, não lhe passassem pelo espirito as consequencias infungiveis do seu grande e nobre gesto.
Mas a verdade é que, antes de poderem chegar ao Rio as resoluções do principe, tomadas em S. Paulo, já a proclamação da independencia se resolvia também no Rio de Janeiro, no Grande Oriente" (Varnhagen — Historia da Independencia), em sessão de 20 de Agosto, 18 dias antes do episodio do Ypiranga. (*) (4)
O Barão do Rio Branco publica, em suas eruditas notas ao trabalho de Varnhagen, a acta dessa sessão memoravel. Gonçalves Ledo presidiu-a (5) e, expondo-lhe os fins, declara que as circumstancias politicas do paiz "demandavam a exigiam imperiosamente que a sua categoria fosse inabalavelmente firmada com a proclamação da nossa independencia e da realeza constitucional na pessôa do augusto principe perpétuo defensor do Brasil."
A moção de Ledo foi approvada com unanime acclamação, "expressada com o ardor do mais puro e cordial entusiasmo patriotico." Na sessão de 23 (6) ficou deliberado enviar-se emissarios ás differentes provincias, afim de que "se effectuasse em todas simultaneamente a desejada acclamação."
Verifica-se que, antes do episodio historico do Ypiranga, já a Maçonaria deliberára fazer a independencia definitiva do Brasil e a acclamação do principe como rei constitucional. O brado do Ypiranga não ia tão longe; era um simples movimento de revolta, num momento de indignação. Quando muito, se não fôra a atitude da Maçonaria, que dirigia a opinião publica resultaria a constituição de um reino administrativamente independente, mas unido a Porgual.(7)
A chegada de D. Pedro ao Rio em 14 de Setembro, que horas depois do regresso tomava posse do cargo de Grão Mestre, a Maçonaria fez espalhar uma proclamação redigida por Ledo, que assim concluia: "Que hesitamos? O momento é chegado, Portugal nos insulta; a America nos convida: a Europa nos contempla; o principe nos defende. Cidadãos! Levantae o festivo clamor: — Viva o Imperador Constitucional do Brasil!".
Não se falára ainda em acclamar D. Pedro imperador, sim rei. A idéa da fundação de um Imperio, em vez de um reino, foi ainda da Maçonaria.
"Temos a certeza que aquella resolução primeira da proclamação de D. Pedro como imperador, e até a designação para ella do dia 12 de Outubro, foi obra exclusiva da Maçonaria (Varnhagen — Historia da Independencia). Corroborando essa affirmativa do eminente historiador, o Barão do Rio Branco, em suas notas ao trabalho consciencioso de Varnhagen, refere que em sessão de 14 de setembro, do Grande Oriente, ficou definitavamente preferido o titulo de Imperador, por proposta do bridadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto.
A Independencia do Brasil, pois, foi obra da Maçonaria Brasileira. Ella, diz a documentação exaustiva e preciosa sobre o assumpto, apenas serviu-se de D. Pedro como um instrumento opportuno e providencial de exito. A
orientação dada á idéa da independencia por José Bonifacio, tornando o principe o centro de attração do movimento, facilitou o advento da autonomia nacional e livrou o paiz de possiveis conflagrações, si porventura tivesse preponderado a corrente republicana de Pernambuco ao envez da monarchia constitucional.
"Homem da sciencia, espectador visual dos peiores desvarios da revolução franceza, maduro em edade, forte em experiencia dos homens e das coisas, José Bonifacio não era um Bolivar; e a revolução brasileira tomou em suas mãos uma direcção diversa da qu teria tido, se cominhasse ás ordens de algum genuino representate do antigo espirito paulista." (Oliveira Martins — Brasil Colonia).
Essa sua educação politica é que fel-o divergir de Gonçalves Ledo, na Maçonaria, e a suspeitar da lealdade monarchica do eminente rival, na obra da independencia.
A personalidade brilhante de Ledo, o grande patriota, imperterrito agitador do sentimento nacional, offuscou-se por completo, mercê das perseguições e das vinganças de seu odiento antagonista.
Ledo não era um estadista, era um destemido jornalista, um tribuno fogoso, um homem de combate, que oppunha ao machuavelismo de José Bonifacio junto ao principe, a sua audancia fascinadora, que lhe grangeára grande predominio e lhe valera um prestigio extraordinario no seio das classes orientadas pela Maçonaria. Ledo era um despredido de ambições, Bonifacio, ao contrario, era um ambicioso do poder e na agitação da independencia simplesmente um accommodaticio.
Aristocrata por temperamento e por educação, era Bonifacio fundamentalmente contrario á separação do Brasil para a implantação do regimen republicano. A idéa de federação, mesmo presidida por um monarcha, encontrou sempre de sua parte tenaz opposição. Elle mesmo denominou os federalistas bispos sem papa, a quem tambem chamava de "incomprehensiveis". No seu entender, os federalistas queriam "um governo monstruoso, um centro de poder nominal e cada provincia uma pequena republica para serem nellas chefes absolutos". Do grupo que existiu, defensor da republica, elle achava ser "um partido miseravel e abandonado por todos os homens sensatos". (Discurso de José Bonifacio, na Constituinte, em 15 de Julho de 1823).
Elle opinava, na Constituinte, em 9 de Maio: "Queremos uma constituição que dê aquellas liberdades de que somos capazes, aquella liberdade que faz a felicidade do Estado e não a liberdade que dura momentos e que é sempre a causa e o bim de terriveis desordens. Que quadro nos apresneta a desgraçada America! Ha 14 annos que se dilaceram os povos que tendo sido de um governo monarchico, pretendem estabelecer uma licenciosa liberdade; e depois de terem nadado em sangue não são mais do que victimas da desordem, da pobreza, e da miseria."
Esta orientação politica de seu espirito clarividente de homem de gabinete e de verdadeiro estadista, pôl-o em lucta, na Maçonaria e fóra della, contra Gonçalves Ledo. Ambos, poreém, são dignos da gratidão eterna dos brasileiros.
Em todas as nossas conquistas sociaes e politicas a Maçonaria tem desempenhado uma funcção preponderante. A sua obra maxima, porém foi a fundação do Imperio do Brasil, sob a acção efficiente de Gonçalves Ledo.
Muitos, a grande maioria, ignoram o papel da Maçonaria na obra da independencia. O aulicismo fez José Bonifacio, o ministro poderoso, o Richelieu do Brasil, absorver toda a gloria desse feito, obscurecendo até os serviços incomparaveis desse grande espirito que foi Gonçalves Ledo. Entretanto, foi a Maçonaria quem apressou o advento da independencia, contrariando a vontade de José Bonifacio, mercê da influencia que ella conseguiu exercer no animo de D. Pedro.
Não se póde dizer que a independencia foi obra de um só homem, porque era uma aspiração nacional, elaborada no seio das classes superiores do paiz, reunidas nos templos maçonicos. Teve, porém, os seus collaboradores magnos e um deles, o maior de todos, foi, por um paradoxo do destino, o proprio D. João VI, desde o momento em que se transplantou para o Brasil, transformando a colonia em metropole, outorgando-lhe os beneficios decorrentes de sua nova situação e, por fim, investindo-a das franquias de teino, igualando-a a Portugal.
Gonçalves Ledo foi o agitador destemeroso da grande idéa, na tribuna, na imprensa, no Grande Oriente; José Bonifacio, accommodando-se ás circumstancias do momento nacional, acceitando os acontecimentos que a Maçonaria precipitava, foi, no governo, o espirito de organizacão, de trabalho e de ordem — o grande estadista do primeiro reinado. Os dois completam-se. E pairando sobre essas grandiosas figuras da independencia, o espirito sereno e gentil de D. Leopoldina, a amiga de José Bonifacio e muito mais amiga do Brasil, influindo no animo do
marido, quando ainda era esposa venturosa, e animando o ministro, quando a concubina destruiu-lhe a felicidade conjugal.
A Maçonaria foi o centro de convergencia de todos esses acontecimentos, no Rio, em São Paulo, em Minas, na Bahia, em Pernambuco. As glorias do feito nacional, cujo centenario hoje decorre, são glorias suas, com as quaes integra-se na historia da nacionalidade.

NOTAS:
(1) - O autor incorre em equívoco neste ponto. O Grande Oriente do Brasil somente seria criado em junho de 1822. Tais deliberações foram na Loja Comércio e Artes;

(2) - Como ficou claro no "Quadro Historico da Maçonaria Fluminense", reproduzido na íntegra neste volume, a propositura de D. Pedro I à Maçonaria não coube a José Bonifácio, e sim ao conego Januario da Cunha Barbosa;

(3 A data correta é 5 de agosto de 1822. A data citada é fruto de equívoco na conversão das datas maçônicas

(4) (*) Há erro de data. Foi na sessão de 9 Setembro. - M.B.(Nota constante do original. Esta sessão, como já foi visto, realizou-se não a 9 de setembro, mas sim a 12 de setembro.

(5) Tendo a sessão ocorrido a 12 de setembro, é provável que os membros do Grande Oriente do Brasil já estivessem informados sobre os acontecimentos em S. Paulo;

(6) Esta deliberação refere-se à sessão de 15 de setembro. O Príncipe havia retornado ao Rio no dia anterior, 14 de setembro, logo, os movimentos do Grande Oriente do Brasil estavam orientados pela decisão de D. Pedro, tomada às margens do Ipiranga, a 7 de setembro.

(7) Pelas notas anteriores, este equivoco que prevaleceu como verdade durante muitos anos não foi criado pela Maçonaria para enaltecer seu papel naquele movimento histórico;



Artigo de autoria de Craveiro Costa, publicado no Boletim do Grande Oriente, às páginas 812 821, mantida a grafia da época

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